A volta dos dândis

 

Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem

que não passa por aqui, que não passa de ilusão"

Humberto Gessinger

Bom dia a todos! Hoje é quarta feira, o tempo está bom – o telespectador pode conferir nas imagens de nosso repórter cinematográfico – muitas pessoas estão indo para o trabalho, crianças indo para a escola, enfim, uma rotina normal no dia a dia do cidadão. Hoje essa rotina foi quebrada por um fato inusitado que o nosso jornal pode registrar em primeira mão. Aconteceu há alguns minutos um acidente envolvendo um ônibus urbano com o VLT, o Veículo Leve sobre Trilhos.

Nós podemos ver aqui os bombeiros fazendo o atendimento à algumas pessoas, são passageiros e o motorista do ônibus, eles estão sentados aqui calçada (mostra aqui, mostra aqui!), vocês podem ver que eles estão um pouco confusos, um pouco feridos, mas sem gravidade. Eu vou pedir licença aos bombeiros e falar com uma das vítimas desse acidente inusitado.”

– Com licença! Nós vamos falar aqui com o motorista do ônibus… Com licença! O senhor poderia contar para a gente como foi que aconteceu isso? – perguntou a repórter, agachando-se perto do homem.

– Foi muito de repente… o sinal estava aberto e eu saí da transversal e entrei na avenida, quando eu vi, o trem já estava muito em cima, não tive como frear… – disse o motorista, visivelmente abalado.

– Realmente, se trata de uma situação muito estranha, que deixa confusos tanto os envolvidos no acidente, como os curiosos que estão aqui ao largo e os telespectadores que nos acompanham de casa. A questão é: de onde saiu esse VLT, se Friburgo não tem Veículo Leve sobre Trilhos? – disse a mulher, esticando o microfone para o motorista do ônibus.

– Eu não faço a menor ideia. Quando eu vi ele já estava na minha frente. E olha que não tem nem trilho nem nada, não sei como essa porra desse trenzinho veio aparecer aqui… – afirmou o motorista, franzindo o cenho indignado enquanto o enfermeiro aferia sua pressão.

– O VLT havia sido uma promessa de campanha... – iniciou a jornalista, discretamente interrompida.

– Daquele ex-prefeito (como é mesmo o nome dele?)... – completou o entrevistado, fora do microfone.

– Não chegou a sair do papel... – seguia a repórter, com ar grave. – O que é uma pena, porque seria uma excelente alternativa para a mobilidade urbana da cidade. – concluiu a entrevistadora.

– Eu achava até legal a ideia, chamavam de “Trem do futuro”. Mas aí falaram que o velhinho estava gagá, aquela coisa toda que acontece em política… uma falta de respeito sem tamanho. Não deu em nada, todo mundo sabe disso, fazer o quê. – comentou, entristecido. – Poderiam colocar pelo menos uma placa ali “Proibido VLT”, para evitar acidentes desse tipo, pô. Olha aí! Como é que vou explicar isso? – concluiu, num murmúrio quase inaudível quando câmera se afastava.

– Obrigada pelas informações! – agradeceu a repórter, levantando-se e voltando a encarar a câmera, que deu um close up em seu rosto e depois fez um travelling para a cena do acidente.

Vocês podem perceber que o volume das pessoas no entorno aumenta cada vez mais, próximo ali das vagas destinadas aos táxis, muitos fazendo os registros com celulares, para postar nas redes sociais, evidentemente. A prefeitura foi contatada, mas até o momento não se manifestou sobre o ocorrido.”, disse a repórter com um sorriso que se desvanecia lentamente no momento em que ela tocava o ponto no ouvido. “O quê? E atenção: acabamos de receber a informação de que uma avenida chamada ‘Brasil’, repito, avenida chamada ‘Brasil’, acaba de surgir ligando o distrito de Conselheiro Paulino ao bairro de Duas Pedras! Bora pra lá!”

George dos Santos Pacheco

georgespacheco@outlook.com

* Publicado originalmente no Portal Multiplix, em 14 de junho de 2023. Foto: Dhiógenes Hendrix

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