A calcinha vermelha


Uma calcinha vermelha caída ao chão.
O que é isso, minha gente? O que passou na cabeça de vocês?
Na minha passou um monte de coisas. Era cedo (nem tão cedo assim), estava no Rio a trabalho. Os grafites sorriam nas paredes velhas. Ainda dentro do ônibus a vi, deitada no asfalto, extenuada, feliz, pequenininha feito  um item de higiene bucal. Sonolenta, bocejava em meio à multidão apressada, pouco se importando com os curiosos olhares.
O fato me remeteu diretamente ao conceito de “Six Words Stories" (histórias de seis palavras) criado pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway, Nobel de Literatura de 1954. Ernestão bolou uma historieta de apenas seis palavras, aparentemente inofensivas, mas que ainda hoje são motivo para muitas horas de discussão: “Vende-se: sapatos de bebês, nunca usados”.
Ora, por que estão sendo vendidos? Quem está vendendo? Por que estes sapatos nunca foram usados? Quanto custa o par?
Os detalhes ficam livres para imaginação e é exatamente isso que torna o formato 6×6 tão interessante: prova que não é necessário contar tudo ao leitor, basta acender a faísca!
E é isso, terráqueos. São justamente esses recortes do nosso cotidiano que se tornam uma pequena frase na nossa cabeça e aguçam nossa imaginação. O que cacetas aquela calcinha estava fazendo no chão, quase em frente à Rodoviária Novo Rio? As possibilidades são infinitas...
Desembarquei do ônibus pensando nos tais  quiçás, recordando ainda, dos grafites na fachada dos antigos armazéns do Porto do Rio de Janeiro, cuja área foi completamente repaginada para inglês, francês, americano, italiano, e marciano ver.
Os grafites sorriam nas paredes velhas.
Ao fim, acabei comparando o que escrevo com eles: definitivamente, não considero meus textos algo lá muito ortodoxo, assim como as pinturas vulgarmente e equivocadamente tratadas como “pichações”. Pois pensem meus textos assim: eles estão para os jornais como um grafite para uma parede branca. 
Calcinha vermelha: um grafite no asfalto.
Fui interrompido de minhas conjecturas quando, mal punha os pés na estação, outra cena se esfregava em minha cara,  mais uma lata de tinta pra incrementar o desenho já  exageradamente colorido: uma confusão entre um homem e uma mulher num balcão de atendimento. Puta que pariu, outra flash storie para um fofoqueiro (observador de mundo) como eu ficar se divertindo.
Homem atira um copo na mulher.
Por que ele tacou esse copo nela? Eram um casal? Ele se sentiu desrespeitado de alguma maneira e revidou? Ela abandonou a calcinha vermelha por aí?
Putz! A calcinha vermelha... já estou até confundindo as histórias. Mas vá lá, é Carnaval, não é galera? Os ânimos costumam ficar mais exaltados nessa época. Vai ver um casal de namorados teve uma tórrida madrugada de amor, ali mesmo. Na correria de voltar pra casa e ainda ir para o trabalho, ninguém lembrou da calcinha. Ela que ficasse ali, como símbolo e testemunha da célere paixão de amantes sem nome. 
Dentro da estação, era uma gritaria só. O guarda, alertado por outros viajantes, foi atrás do agressor que escapava por uma das saídas da rodoviária. A mulher agredida ficou atirando objetos a esmo em um vão revide, até porque o homem já estava consideravelmente longe. Era tão caricato que lembrava um filme de humor canastrão do Jerry Lewis – ou do Mazzaropi.
Jamais vou saber o porquê da agressão, de repente, nem o guarda. Talvez... nem mesmo a mulher. Também não vou saber nada, nada mesmo, necas de pitibiriba sobre a Calcinha Vermelha e sua noite alucinante no Carnaval do Rio de Janeiro (não ficou parecido com título de samba enredo?). Mas, felizmente – ou não – para tudo aquilo que desconhecemos, nos brinda a imaginação, teria dito Raul Seixas. Opa, peraí. Foi Raulzito quem disse isso?
George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com 

Comentários

Postar um comentário