Sede vacante

 

Eis que faço novas todas as coisas”

Apocalipse de São João

Naquele período não existiam tantos satélites, TV digital, smartphones ou computadores de tecnologia avançada. As distâncias pareciam mais curtas e as pessoas pareciam mais próximas. Talvez por isso, ou não (quem pode afirmar com certeza?), a maioria das coisas daquele tempo tornou-se referência consagrada e quase impossível de ser substituída.

Sede vacante: a primeira ocasião em que escutei a expressão foi em 2005, por conta do falecimento do Papa João Paulo II. Desde que eu tomei consciência de mim mesmo, ele era o papa — e, para ser honesto, é como se, de certo modo, ele ainda o fosse até hoje. Assim como apresentador de programa é o Silvio Santos, comediante é o Chico Anysio, piloto é o Ayrton Senna, e goleiro é o Taffarel. Do mesmo modo que refrigerante é Coca-Cola, maionese é Hellman’s e sandália é Havaianas.

Compreenda bem, religioso leitor. Não se trata de desdém por nenhum pontífice que o sucedeu (livre-me Deus disso!), como fiel católico, devo reverência e admiração a qualquer ocupante do trono de Pedro. Mas, de maneira intrigante, é como se minha mente houvesse se cristalizado no ano 2000. Não sei se é um efeito psicológico do reconhecimento de minha entidade social naquela ocasião ou resultado do famoso bug do milênio, mas o fato é que tudo relacionado àquele instante adquiriu para mim um caráter canônico. Quando atualmente me dizem que algo ocorreu há três décadas, minha primeira reação é projetar 1970 — para em seguida notar o equívoco e, meio sem jeito, refazer a conta.

O senhor tem todo o direito de me julgar louco, mas é a mais absoluta verdade. Assim como é verdade que João Paulo II foi uma das figuras mais marcantes do século XX. Com um dos papados mais longos da história, com vinte e seis anos, consagrou-se como guia espiritual, defensor incansável dos direitos humanos e por sua habilidade em dialogar com culturas diversas. E diante da profundidade e repercussão de um pontificado tão notável, era natural que houvesse certa resistência à mudança.

Depois de sua morte em 2005, o conclave escolheu o Papa Bento XVI, que renunciou em 2013, sendo, inclusive, o primeiro a abdicar do comando da Igreja Católica em seis séculos. Após sua saída, recebeu o título de Papa Emérito, sendo sucedido pelo Papa Francisco, o primeiro pontífice da América Latina.

Nascido Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco demonstrou desde o princípio sua posição diante da Igreja e do povo, conquistando popularidade comparável à do polonês e, não pude evitar a analogia, é claro. O Papa Francisco destacou-se em sua atuação pastoral por sua simplicidade, atenção aos necessitados e crítica ao materialismo, deixando como legado o empenho em reformar a Igreja, exigir maior acolhimento aos marginalizados, denunciar a economia predatória e enfrentar líderes despóticos.

Francisco era profundamente carismático e sua marca será lembrada pelos devotos; ele foi a prova de que tudo pode ser renovado, sempre e mais uma vez. Que venha o próximo papa, com a certeza de sua elevada missão, na continuidade do trabalho de seus predecessores e na promoção da harmonia. Enquanto isso, permaneçamos firmes na esperança de dias melhores.

George dos Santos Pacheco

georgespacheco@outlook.com

 * Publicado originalmente no Portal Multiplix, em 24 de abril de 2025.

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