Moleque abusado!


- Ê Braço Duro!
“Braço Duro"? O cara  me chamou de “Braço Duro", foi isso mesmo? Ora, seu... seu... Eu vou, humpf, sabe o que eu vou fazer? Eu vou, eu vou... “Fica quieto aí, seu bundão. Entuba essa e vai buscar teu filho”. Pois é. Mas que raiva que deu... uma raiva atrasada, um tanto morosa. Deu sim!
 
Que audácia, terráqueos. Para buscar o garoto na escola, precisava fazer o famoso “balão”, uma pequena manobra de retorno quando dei de cara com um carro no sentido contrário. Freamos ao mesmo tempo e ato contínuo, segui fazendo a manobra, mas como o espaço ficou curto, não pude fazer de uma vez só. E o jovem, acompanhado de um amigo, ao se desvencilhar do meu carro, foi em frente, não sem antes me chamar de “Braço Duro”. Puta que pariu, mas que filho da mãe, cara de pau. Logo eu, o craque dos estacionamentos, dos golpes de vista, o mago das manobras rápidas, o senhor gentileza. “Até parece, bonitão. Quem é que xinga baixinho dentro do carro? Quem é que reclama que os outros dirigem muito mal? Quem é que de vez em quando dá uma resvalada no para choque, pinta de cal os pneus?”. Tudo bem, admito. Apesar de ter meus momentos de genialidade, de vez em quando cometo minhas cagadas no trânsito, minhas cagadas literárias, minhas cagadas culinárias e por aí vai. Uma série momesca de cagadas. Quem nunca? A gente só finge que não. 
 
Fiquei com o carro parado ali, tentando deglutir minha mais nova alcunha, hiperventilando  com os dentes cerrados, o volante firme nas mãos. Vá lá.  “Braço Duro" é só um dos títulos que devo receber por aí. Tem também o “Bundão”, o “Bunda Mole", o “Prolixo”, o “Pedante”, o “Dramático”, o “Babaca”, o “Chato”, o “Maluco”, o “Metido-à-besta”, o “Obtuso”... Eu vivo repetindo pra mim que sou bom no que faço – tento  ao menos – mas o fato é que ninguém consegue grau de excelência o tempo todo, e  nem deveria. O caminho para a perfeição consiste em buscar ser melhor, não perfeito, já dizia Buda. Opa, foi Buda quem disse isso? Enfim, o Santo é de barro!  No fim das contas, a gente acaba se cobrando muito por algo que não conseguimos ser. 
 
O deboche do meu camarada no trânsito não deveria me incomodar tanto assim, afinal, eu erro mesmo, não foi a primeira vez, nem será a última. Só devo cuidar que meus erros não prejudiquem a ninguém, essa é a grande questão. Porque existem aqueles erros de estimação  - e eu já tratei disso numa crônica – que a gente cuida todo dia, pouco se lixando se vai atrapalhar alguém. É o erro que convém; e tão ruim quanto isso, um erro consciente. Vejam, terráqueos, o “balão" é errado e eu sabia disso, mesmo em meu íntimo. Mas eu fiz porque me convinha. Agora, imaginem se eu causo um acidente de trânsito, ou atropelo alguém? Deus me livre!
 
Eu sou gênio, sou mago, sou bunda mole, sou falastrão e metido à besta. Não manobro mais o carro ali. Primeiro porque é errado e eu não quero arriscar que aconteça algo mais grave. E segundo, mas não menos importante, eu também sou filho de Deus, não é? E não quero ninguém me chamando por aí de “Braço Duro" outra vez. Moleque abusado!
 
George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com

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