Seus problemas acabaram!


Blade Runner, clássico oitentista do cinema, se passa em novembro de 2019, numa decadente e futurista cidade de Los Angeles (e podia ser qualquer cidade), representando um mundo também em colapso, tanto material quanto moral, onde os seres humanos convivem, num ambiente sombrio e desanimador. O filme se destaca pela qualidade dos efeitos, pela atuação do jovem Harrison Ford e Rutger Hauer, pela linguagem, mas o que mais me chamou atenção na película são os replicantes, o cerne da historia: seres humanos artificiais, criados e usados nas mais nocivas atividades, na Terra e, principalmente fora dela. Daí que os ditos androides, em sua maioria, não sabem que são máquinas, e até para os humanos os identificarem é difícil, tamanha a semelhança. Mas por que os replicantes acreditam que são humanos? Porque tem lembranças, memórias implantadas.
Curiosamente, em matéria de dezembro de 2018, a revista Superinteressante publicou um artigo intitulado "Como nascem as memórias falsas". Pasmem, nosso cérebro pode gravar algo que nunca ocorreu como se fosse uma lembrança verdadeira, algo contado por outra pessoa - ou simplesmente imaginado!
Nossas lembranças e memórias são fundamentais para nossa existência – fato evidenciado em outro filme, “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, com Jim Carrey. O personagem tenta se livrar, através de um método científico, da memória de um relacionamento que não deu certo, mas sofre ao perceber que é impossível eliminar apenas as lembranças ruins, isto é, até mesmo os bons momentos que ele viveu com a namorada – e que ele tenta desesperadamente preservar – se perdem.
Opa, senão, vejamos: nossas lembranças, boas e ruins condicionam nosso comportamento e nossa existência; parte de nossas memórias é falsa; a memória é manipulável... noves fora? Nada!
Caros leitores! Não me interrompam, porque a sensação é de ter descoberto a pólvora!
Acompanhem meu raciocínio: baseado nessas informações, posso afirmar com certeza que podemos nos condicionar propositalmente a novas “memórias” – e é claro e evidente, a novas e boas memórias. Desta vez eu escolho o que armazenar em minha mente e meu comportamento vai passar a se regular baseado numa lembrança implantada, como os replicantes de 1982.
Imaginem que uma determinada pessoa passou por uma experiência traumática em piscina, quase se afogou quando jovem. Em sua mente, existem as imagens do evento, ainda que desfocadas, mas com certeza esse camarada terá uma certa dificuldade com a água. Simplesmente por causa da lembrança. Em alguns momentos essa pessoa deve dizer pra si mesma “queria esquecer isso". Pois seus problemas acabaram!
É possível realizar um exercício mental a fim de que essas memórias traumáticas sejam recondicionadas a fim de nos afetaram positivamente. E se esse individuo do exemplo passar  a imaginar que o tal “afogamento" não foi com ele? Aconteceu com um amigo, pronto. Ele imaginará detalhes do dia, da situação, vendo como expectador apenas. Com o tempo, as imagens ficarão  armazenadas em sua memória – e ele não precisará mais ter medo da água, porque aquilo não aconteceu com ele, foi com o “amigo". Esse comportamento precisará inclusive ser reforçado: sabem aquelas situações em que o cidadão conta a experiência ruim para um conhecido em um evento, com uma tulipa de cerveja na mão? (Já repararam como tem gente viciada em contar coisa ruim?) Pois bem, ou não conta, ou quando contar, diga exatamente como no exercício: foi com um amigo. Até um nome para o cara ele pode inventar, não esquecendo de misturar toda essa “ficção” com informações reais, escola onde estudaram, rua onde moraram, amigos em comum. Aliás, informações reais são imprescindíveis, ainda segundo a matéria da Superinteressante!
A matéria dá conta de que foram realizadas experiências reais de “implante de memória" e seu alicerce eram justamente informações reais, dadas de antemão pelos pais das cobaias: mescladas com informações absurdas e repetidas por vezes seguidas, o todo se tornava plausível. Bingo, terráqueos! O cérebro comprava a ideia de uma lembrança que nunca existiu – preenchendo incômodas lacunas com memórias falsas. Num primeiro momento, as pessoas negavam os fatos, mas depois de algumas semanas, até descreviam cenas do ocorrido. Pode isso, Arnaldo?
Incrível não é mesmo?
Minha teoria já foi testada e tudo – e com sucesso. A única diferença é que, quem aplicava o implante de memória era um ente externo e no nosso caso, seremos nós mesmos. Não custa tentar. Não precisa começar com aquele grande trauma da infância, vá com calma e devagar. Pensa aí. Você odeia cebola? Passe a repetir pra si mesmo que sempre gostou, desde criancinha, que os mais velhos se admiravam de uma criança comer cebola. Daí comece a inserir ela no seu cardápio, pouco a pouco, e  depois me diz se não conseguiu. Duvido que não.
Outro exemplo pra reforçar: imagine que uma criança quebrou o braço quando muito pequeno. Tem uma cicatriz grande. Por ser muito jovem, ela praticamente não lembra do acidente (nenhuma memória sobrevive dos zero aos três anos) as informações que ela tem vieram dos pais. Sempre que ela for confrontada com uma situação parecida com o tal acidente é bem possível que ela tenha medo, o trauma se instalou por uma memória que ela na verdade não tem. Agora, digam-me o que aconteceria se, em vez da história original, seus pais contassem à criança que a cicatriz foi porque um cachorro a mordeu. Ela teria medo não do “acidente" e sim de cachorros. E repito, não por uma memória própria, mas “implantada" por alguém.
Viram? A superação de traumas é possível com um exercício simples, e como este há vários. Cada caso é um caso. É lógico que ele não pode ser aplicado a toda experiência emocional desagradável, nem mesmo substitui aquelas benditas horas com o terapeuta, mas pode se tornar sim, uma ferramenta poderosa para o alcance de um bem estar tão almejado. 
Ah! E aquele meu amigo – sabem, aquele meu amigo... – que fique claro: ele  já nada bem melhor, já come cebola, jiló e quiabo, já não sente vertigem com alturas... Meus problemas acabaram!
George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com 

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