Basta estar vivo, é o que dizem.
De forma bem humorada, ouvi numa palestra que “a vida é fatal, e transmitida sexualmente”. E é verdade mesmo. Por
mais que vivamos sem nos dar conta disso – ou tapando os olhos com os dedos
parcialmente abertos, a única certeza é de que não sairemos vivos daqui.
Eventos como o acidente com o avião que transportava a equipe do time de
futebol da Chapecoense talvez aconteçam para nos lembrar disso. Não somos
deuses. Reza a lenda de que, na Roma antiga, quando um comandante ganhava uma
batalha importante, percorria a cidade no chamado “triunfo romano” – parecido
quando um atleta ganha uma competição importante e desfila no carro do Corpo de
Bombeiros. Junto dele, um escravo sussurrava no ouvido do vitorioso: “Memento mori” (Lembra-te de que és mortal).
Talvez seja um modo fatalista de
ver as coisas, mas não consigo enxergar de outra forma. Tudo tem um começo e um
fim. O que torna tudo diferente é o intervalo entre as duas pontas. John Green
em seu maravilhoso “A Culpa é das
Estrelas” disse que “alguns infinitos
são maiores do que outros” e isso tudo pode soar insensível para alguns,
mas é assim que a vida é. Enquanto escrevo isso, meus filhos assistem desenhos
na TV e muitos filhos esperavam seus pais, que se despediram empolgados para um
jogo importante. “Papai vai lá rapidinho
e volta tá?”. Eles não voltaram. E por mais que as pesquisas apontem para
cerca de 160 mortes no trânsito, todos os dias – quase o dobro dos que morreram
no acidente da Chapecoense – isso me entristece.
Para mim não importa, neste
momento, a estatística das mortes no trânsito.
Foi triste, foi chocante e
continua a me chocar toda vez que me lembro disso. Tanta gente jovem que se foi
de uma hora para outra – e por conta de negligência. Mortes em massa me
incomodam tanto quanto a de pessoas próximas, porque penso nos que ficam. Nos
filhos, nos pais, nas esposas e maridos. E também porque isso me lembra que
também sou mortal.
Todos os dias, ao sair para
trabalhar, me despeço de minha mulher e meus filhos pensando em meu retorno. “Papai vai lá rapidinho e volta tá?”. E
se eu não voltar? Aliás, e quando eu
não voltar? Porque isso um dia fatalmente vai acontecer e acho que eu não estou
preparado para isso, como também acredito que todos aqueles que embarcaram
naquele pássaro de ferro não estavam.
O que fazer para diminuir essa
sensação angustiante?
Não sei, caro leitor. Talvez seja
uma tarefa diária, um exercício de tentar ser melhor a cada dia e procurar ver
as coisas como se fosse a primeira vez. Em um texto magnífico de Otto Lara
Resende ele fala sobre isso: “Uma criança
vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do
mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há
pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso
existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos”. Mesmo não
sabendo o que fazer, recomendo ver as coisas como se fosse a primeira vez – e
não a última, como disse Lara Resende. Beije sua mulher como se fosse a
primeira vez, brinque e abrace seus filhos como se fosse a primeira vez. Aperte
a mão de seus amigos, como se fosse a primeira vez. Porque um dia nosso
combustível vai acabar em pleno vôo e não vai ter nenhum locutor de futebol
narrando o velório ao vivo na TV.
Lembre-se que areia já está
descendo na ampulheta. Lembre-se de que também é mortal.
George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com
George dos Santos Pacheco (Nova Friburgo, 7 de outubro de 1981) é um
escritor friburguense. Um dos autores da Coletânea “Assassinos S/A
Vol. II”, e do romance “O fantasma do Mare Dei”, ambos
publicados pela Editora Multifoco em 2010. Participou
da
antologia “Buriti 100”, pela
Editora Buriti preparou para comemorar o lançamento do seu 100º
livro. É
também autor do romance "Uma
Aventura Perigosa", do livro de contos "Sete
- Contos Capitais", do infantil "As
aventuras de Frog, o ratinho",
e do livro de contos “Tarde
demais para Suzanne”. Tem textos publicados em diversos blogs e
sites especializados, é colunista da Revista
Êxito Rio, e mantém desde 2009 o blog Revista
Pacheco, onde publica seus próprios textos e de colaboradores.
Recebeu Menção Especial no VI Concurso de Trovas do Grêmio
Português de Nova Friburgo, no tema lírico-filosófico; foi
premiado em 1º lugar, na categoria crônica, e em 2º lugar, na
categoria conto, no 1º Concurso Literário da Câmara Municipal de
Nova Friburgo, Troféu Affonso Romano de Sant'anna; e em 3° lugar,
na categoria prosa, no I Concurso de Prosa e Poesia de Bom Jardim -
RJ, com o conto "O Dono do Bar", durante a III Festa
Literária da Serra (FLITS). Em 2014, teve seu conto "A Dama da
Noite" adaptado para um curta metragem homônimo, através do
coletivo audiovisual "Sétima Literal", de Nova Friburgo,
que serviu de cartão de visitas da cidade para a implantação de um
Polo de Audiovisual na região.
*Publicado na Revista Êxito Rio em 16/12/2016.
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