O próximo candidato


Ajeitei-me na cadeira e organizei os papéis sobre a mesa. Com o mouse, percorri a tela do computador, escolhi a pasta adequada e cliquei na ficha editável, para digitar os dados fornecidos. Eram dados simples, mas suficientes para fazer a seleção necessária. Pausei a música no aplicativo de mídia e depois, retirando o telefone do gancho, fiz contato com a secretária.

Pode pedir para que o candidato entre, por favor.

Ok. respondeu-me secamente.

Logo em seguida o homem entrou, pedindo licença e fechando a porta logo atrás de si. Usava um terno simples, mas bem cortado e seus cabelos estavam penteados com gel. Sorria um tanto sem graça, mas o sorriso parecia forçado para parecer tímido.

Sente-se, por favor. – disse eu, indicando a cadeira à minha frente com a mão.

Oh, muito obrigado, meu amigo! Como vai? Tudo bem? cumprimentou-me apertando minha mão com firmeza antes de sentar.

Err… eu… eu vou bem. Obrigado. – respondi ao cumprimento, achando seu tom um tanto exagerado para a ocasião. Então… qual o seu nome, por favor?

Luizinho, Luizinho da Pipoca.

Como, senhor?

Luizinho da Pipoca. Algum problema?

Eu preciso do seu nome real, senhor.

Ah, pode colocar Luizinho da Pipoca. É como todos me conhecem. Aliás, sou muito conhecido.

Ahn, ok. Qual sua ocupação?

– Err.. eu vendo pipoca. Entendeu? Luizinho da Pipoca. – respondeu-me com um olhar debochado, como se admirasse eu não ter entendido a relação de seu “pseudônimo” e o que ele fazia para viver. – A propósito, a melhor pipoca da cidade! Sabe… o segredo é a temperatura do óleo. Elas estouram todinhas, o cheiro vai longe. Mas quanto a isso, trata-se de um segredo de família e infelizmente não posso lhe contar…

– Entendo… E o senhor tem alguma habilitação para o cargo pretendido?

– Habilitação? Como habilitação?

– Algum curso, experiência na área?

– Desculpe, mas o anúncio não falava nada sobre habilitação. Inclusive, deixava bem claro que todo mundo podia concorrer. Apesar disso, já fui do grêmio estudantil e frequentei algumas reuniões da Associação de Moradores.

– Mas você entende alguma coisa de Administração Pública, Direito Administrativo?

– Não, mas… isso aí eu aprendo se conseguir a vaga. Acredito que vai ter gente mais experiente do que eu lá, e não vão se incomodar em me ensinar o que sabem.

– Aposto que não…

– É só isso?

– Não, ainda tenho algumas perguntas. O que o senhor pretende fazer se for eleito para o cargo?

– Ah, eu tenho muitos planos. Quero realizar o sonho de uma viagem pelas praias do Nordeste, devo ajudar uma tia minha que precisa de tratamento dentário, talvez compre um terreno no meu bairro… – respondeu-me olhando para o teto, como se imaginasse a realização de seus sonhos. –Há um cantão lá que os terrenos são baratinhos, mas a rua é de terra batida. Contudo, se eu estiver dentro consigo asfalto para lá em dois tempos. – completou, fazendo uma concha com a mão, como se pedisse segredo.

– Desculpe, me refiro ao o que você vai fazer na função.

– Oh, me desculpe! Então… eu vou cumprir minhas obrigações da melhor maneira possível, respeitar meus superiores e colegas de trabalho, ser organizado e honesto. Vou trabalhar muito, não faltarei um dia de trabalho. Meu nome é trabalho, senhor!

– Está ótimo! Acho que é só. – disse secamente, com os olhos grudados no computador, enquanto concluía minhas anotações.
 
– Então acabou?

– Sim, o senhor está dispensado.

– Que bom! O senhor acha que eu tenho alguma chance de conseguir o cargo?
– Olha… como não serei apenas eu que vou te avaliar (e você é muito conhecido), acho que você tem grandes chances.

– Ahn… obrigado. Bom dia!

– Desculpe, só mais uma coisa, é uma pergunta informal. Por que o senhor quer o cargo?

– Ah, doutor… eu sei que um trabalho temporário, mas o salário é muito bom, além de todas essas regalias e adicionais. E eu ainda posso me candidatar novamente ao final do período. Dá pra mudar de vida!

– Entendo. Bem, é só isso. Boa sorte!

– Obrigado!

E agora? A perspectiva é muito ruim. O que eu ouvi falar desses candidatos não está no gibi! Cada um pior que o outro. Eles não usam sequer o próprio nome! Não tem habilitação para o cargo, nem mesmo sabem o que se faz na função. Estão mais interessados na remuneração do que com o serviço propriamente dito. Fatalmente, terei de escolher o menos pior. Minha opinião, contudo, não tem muita importância; como esse cara aí mesmo disse, ele é muito conhecido, e pode muito bem ficar com o cargo, mesmo não sendo merecedor (nem habilitado) para isso. Enfim, talvez chegue alguém à altura da responsabilidade da função. Quem sabe?

Ainda divagando, absorto em pensamentos sobre o futuro e tamborilando os dedos na mesa, retirei novamente o telefone do gancho.

Pode pedir para que o próximo candidato entre, por favor?


George dos Santos Pacheco

George dos Santos Pacheco (Nova Friburgo, 7 de outubro de 1981) é um escritor friburguense. Um dos autores da Coletânea “Assassinos S/A Vol. II”, e do romance “O fantasma do Mare Dei”, ambos publicados pela Editora Multifoco em 2010. Participou da antologia “Buriti 100”, pela Editora Buriti preparou para comemorar o lançamento do seu 100º livro. É também autor do romance "Uma Aventura Perigosa", do livro de contos "Sete - Contos Capitais", do infantil "As aventuras de Frog, o ratinho", e do livro de contos Tarde demais para Suzanne. Tem textos publicados em diversos blogs e sites especializados, é colunista da Revista Êxito Rio, e mantém desde 2009 o blog Revista Pacheco, onde publica seus próprios textos e de colaboradores. Recebeu Menção Especial no VI Concurso de Trovas do Grêmio Português de Nova Friburgo, no tema lírico-filosófico; foi premiado em 1º lugar, na categoria crônica, e em 2º lugar, na categoria conto, no 1º Concurso Literário da Câmara Municipal de Nova Friburgo, Troféu Affonso Romano de Sant'anna; e em 3° lugar, na categoria prosa, no I Concurso de Prosa e Poesia de Bom Jardim - RJ, com o conto "O Dono do Bar", durante a III Festa Literária da Serra (FLITS). Em 2014, teve seu conto "A Dama da Noite" adaptado para um curta metragem homônimo, através do coletivo audiovisual "Sétima Literal", de Nova Friburgo, que serviu de cartão de visitas da cidade para a implantação de um Polo de Audiovisual na região.
*Publicado no portal de notícias Nova Friburgo em Foco em 26/09/2016.

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