Eu caminhava pelo corredor da repartição – havia levado um documento
para assinar e não sabia onde o deixara – quando dei de cara com o
Renatinho, um velho amigo de trabalho que havia se aposentado. Há anos
que eu não o via!
– Renatinho, meu camarada! – cumprimentei-o efusivamente.
Trabalhamos juntos durante cerca de quatro anos. Não mudara nada: os
mesmos cabelos brancos e ralos partidos de lado (para tentar encobrir a
calvície), as sobrancelhas rebeldes, o mesmo ar despreocupado.
– Ô meu amigo! Como é que você está? – retribui-me o aperto de mãos e o consequente tapa nas costas.
– Agora estou melhor, consegui minha transferência para cá há
três meses (nesse meio tempo eu havia sido transferido para o Rio de
Janeiro, mas consegui voltar para minha cidade).
– E casou, não é mesmo? Fiquei sabendo!
– Pois é, casei, meu amigo!
– E isso está te fazendo bem, não é mesmo? Está gordinho… –
brincou ao apontar minha barriga. Exatamente, ele não havia mudado
praticamente nada, já eu…
– Esquece isso, rapaz! E você? Está vendendo cerveja na praia?
Pelo menos foi o que você disse que ia fazer quando se aposentasse.
– Caramba, você lembrou disso?
– Você não falava em outra coisa!
– Eu bem que queria, mas acabaria bebendo a cerveja toda e não
venderia nada. – explicou-se sorrindo, mas logo o desfez. – A minha
esposa está com um probleminha no baço, e eu preciso levá-la ao Rio de
Janeiro todo mês para fazer quimioterapia, e meus planos mudaram um
pouco. Mas sempre que podemos vamos à praia, viajamos… agora temos todo o
tempo do mundo!
Caramba… depois do que ele me disse, permaneci ali sem estar ali.
Um interlocutor de corpo presente, como se eu tivesse entrado em um
modo automático: ouvia, replicava, mas minha mente se deslocou para uma
outra dimensão. Eu preocupado em ter perdido um documento a ser assinado
– e que bastava ser impresso novamente – e o meu amigo ali, tinha
perdido o futuro.
Quantos planos fazemos e que ficam pelo caminho? Quantas coisas
deixamos de fazer, esperando o momento certo, um momento que nunca vem. E
sabe por que? Porque o momento certo é sempre agora. Afinal, o presente
existe verdadeiramente, ontem é um tempo que não existe mais e o
futuro… quem nos garante o futuro?
– Renato, meu camarada! Foi bom te ver! Vê se não some, hein
cara? – despedi-me assim que chegou outra companhia para meu amigo. E
segui caminhando, absorto em minhas conjecturas.
Lembrei-me de um outro caso – talvez essas coisas estivessem
acontecendo justamente para deixar bem claro isso para mim: um outro
amigo que já tinha aposentado. Já havíamos nos encontrado diversas
vezes, conversamos, rimos. O cara estava numa boa: tinha começado uma
faculdade, tinha emagrecido, a aposentadoria parecia ter lhe feito o bem
que toda uma vida de trabalho não tinha feito.
E certo dia esse camarada apareceu lá na repartição. Resolvia
alguns problemas burocráticos no departamento de pessoal e eu, com
pressa, preferi não ir lá e falar com ele. Acontece que tempos depois o
cara infartou e morreu – apenas quatro anos após ter se aposentado.
Eu sempre considero qualquer idade, quinze ou oitenta anos, muito
jovem para morrer. Quanto mais assim. Quando finalmente meu camarada
começou a curtir a vida, a família, a viajar, a investir mais nele… daí
ele morre? A vida é realmente muito cruel.
E vejam – o mais importante: naquele dia em que eu o vi no
departamento de pessoal, foi a última vez em que eu o vi com vida. Foi a
última vez em que eu tive a oportunidade de falar com ele, dar-lhe um
aperto de mãos, contar uma piada… A vida não espera nossos planos, uma
outra oportunidade. Ela não é como um livro, com capítulo final, e
agradecimentos. A vida frequentemente termina no meio de uma frase.
George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com
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