O suicídio do gato


Diz a sabedoria popular que os gatos têm sete vidas, e talvez, seja por isso mesmo que eles não valorizem nenhuma delas. Não é raro encontrar, por exemplo,  um bichano desse pela madrugada e o felino saltar na frente do carro, diante do clarão do farol. Entretanto, se eles agem assim, os homens – seres evoluídos – não ficam para trás. Afinal de contas, porque o perigo é tão saboroso? 

Todos os dias, nos deparamos com situações de risco e muitas delas – meu caro amigo, não se engane – são fruto de nossa própria exposição (consciente, ou não). Mas porque fazemos isso? Seria a necessidade de uma boa dose de adrenalina? Durante situações de estresse, este hormônio é despejado em nosso sangue pelas glândulas suprarrenais (o nome  é uma combinação do prefixo ad – que indica proximidade; renalis – relativo aos rins; e o sufixo ina, aplicado a algumas substâncias químicas), estimulando o coração, aumentando o fluxo sanguíneo nos músculos das pernas e dos braços, enfim, preparando nosso corpo para uma reação e muitos se dizem “viciados” no tal hormônio. 

Entretanto, a adrenalina não tem nada a ver com prazer. O responsável direto pela sensação é, na verdade, a endorfina, um neurotransmissor produzido na hipófise. A confusão acontece porque em muitas atividades em que há a produção de adrenalina, a endorfina também é produzida, como nos esportes radicais. Além do mais, o hormônio suprarrenal não causa dependência química. Quem se diz “viciado” em adrenalina, é na verdade, dependente psicológico da sensação de perigo – e para esses camaradas não falta criatividade para viver perigosamente. É um tal de bungee jump, montanhismo, paraquedismo, rafting, skydiving, hang gliding, e outros tantos “ismos” ou “ings”, cada um mais louco que o outro. São esportes que começaram a se tornar populares no final dos anos 80 e início dos anos 90, quando surgiu a definição de esporte de aventura. E a cada dia eles inventam um...

Mas nem só de esporte vive o homem e para quem não é atleta, há variadas formas de  se arriscar. A imprudência, por exemplo. Quem dirige alcoolizado, ou sem cinto de segurança, também gosta de viver perigosamente – e ainda expõe ao risco outros que nada tem a ver com sua necessidade de adrenalina (ou endorfina, como preferir). Neste caso, além do perigo de vida, caso esse cidadão seja enquadrado pelas autoridades, ainda poderá sofrer os prejuízos financeiros – excesso de velocidade (em até 20% acima da via) é uma infração média, o motorista perde 4 pontos e leva uma multa de R$ 86,13; não usar cinto de segurança é uma infração grave, e rende uma multa de R$ 127, 69. E isso, você há de convir, em tempos em que a situação não está fácil para ninguém, é viver perigosamente. 

Há, ainda, aqueles que valorizam mais a grama do vizinho (abra o olho, tem alguém considerando a sua mais verde também, meu amigo!). O cara que tem uma relação extraconjugal também gosta de emoções fortes – principalmente se for a mulher a parte compromissada do relacionamento. Durante muito tempo, o adultério foi considerado crime no Brasil (banido, pasmem, somente em 2005). Até 1830, por exemplo, quando surgiu o primeiro Código Penal do Império, um conjunto de leis (Código Filipino) proibia a vingança privada, exceto em duas ocasiões: quando um crime era praticado contra a ordem pública e quando houvesse o crime de adultério. O texto que tratava deste último rezava assim: 

“Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero Fidalgo, ou nosso Desembargador, ou pessoa de maior qualidade. E não somente poderá o marido matar sua mulher e o adúltero, que achar com ela em adultério, mas ainda os pode licitamente matar, sendo certo que lhe cometeram adultério.” (Livro V, tít. XXXVIII) 

Veja bem, o traído poderia matar até se desconfiasse da traição – exceto se o Ricardão fosse “pessoa importante”! E isto prova, mais uma vez que as desigualdades sociais estão presentes e enraizadas em nossa sociedade há muito tempo e se perpetua a cada dia de diversas maneiras, esteja atento.

E embora o adultério não seja mais considerado crime, ele ainda causa muita “dor de cabeça” e, por conta disso, ainda se mata e se morre (e muito) por isso. Então, o cara que adultera, gosta de viver perigosamente, e também o cara que dirige embriagado, o cara que pratica esportes radicais, o cara que vota errado, o cara que discute no trânsito, o cara que, deliberadamente, manda o outro tomar “lá você sabe onde”... todos estes e muitos outros gostam de viver perigosamente, assim como os gatos. 

Caramba, mas e os gatos? Ainda não descobri porque diabos eles saltam na frente do carro quando surpreendidos pelo clarão do farol. Talvez seja dependência psicológica da sensação de perigo, imprudência, estupidez... Em todo caso, eles têm sete vidas, já os homens... 

George dos Santos Pacheco

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