Cada um no seu quadrado



A Copa do Mundo FIFA 2014 suscitou diversas opiniões, tanto contrárias, quanto a favor, isso não é novidade para ninguém. Os que se manifestaram contra, apoiam seus argumentos na falta de investimento nos serviços públicos, alguns prestados precariamente pelo governo, enquanto a realização da maior competição do futebol tem aplicações financeiras em nível de primeiro mundo. Houve protestos nas principais capitais do país, e inclusive em cidades do interior – os manifestantes levantaram bandeiras específicas de cada localidade, entretanto, em geral, prevaleceu a cobrança por serviços públicos de qualidade.
O ponto alto das manifestações foi a abertura da Copa, na Arena Corinthians, em que estiverem presentes lideres de governos estrangeiros, a presidentA Dilma; seu vice, Michel Temer; o presidente da FIFA, Joseph Blatter; e o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon. Rompendo uma tradição de trinta anos em que os chefes de Estado abrem os mundiais, a presidentA Dilma decidiu não discursar – após o vexame da abertura da Copa das Confederações. A torcida que ocupava as arquibancadas, predominantemente de classe média, vaiou e xingou a presidentA, num coro que partiu da área vip e ganhou força no resto da arena. 

Opiniões se dividiram nas ruas. Houve quem fosse contra a hostilização, afinal, apesar de tudo, ela é uma senhora (e uma autoridade). Concordo, em parte. Roupa suja se lava em casa, mas quando a coisa vai mal – e a coisa vai muito mal – a parte que se sente agredida, apela para qualquer coisa (para quem está se afogando, jacaré vira toco). Neste caso, humilhar a dirigente do país, diante de outros chefes de Estado, chamando a atenção do mundo para o descontentamento popular com a administração pública no Brasil. 

Quem xingou a presidentA? 

A torcida, formada predominantemente por pessoas de classe média. Mas representaram um país inteiro naquela arena. A situação do país incomoda as classes – separar o país em classes não é uma forma de discriminação? – E, D, C, B e A, todas elas. A classe média desabafou em público, disse o mesmo que a maioria da população diz entre os dentes, quando se depara com um hospital lotado, sem médicos, com um transporte público ineficiente, trânsito caótico, escolas públicas sucateadas, desequipadas e sem professores, e quando recebe notícias de compras superfaturadas de refinarias, mensalões e outras falcatruas políticas. As vaias, o xingamento, foram direcionados, na pessoa da presidentA Dilma, para o governo federal, estadual e municipal. 

Entendam que a intenção não é isentar o governo federal, mas provar que existe uma confusão entre os níveis de administração do Poder Executivo. O que o povo sente na pele, são os serviços prestados diretamente pela prefeitura, ou no máximo, pelo governo do Estado, na ponta da gestão pública. Geralmente, as pessoas imaginam que exista uma relação hierárquica em que um venha a ser o “fiscal” ou “chefe” do outro, mas não é bem assim. Quem fiscaliza o Poder Executivo é o Poder Legislativo: no caso da esfera municipal, as Câmaras de Vereadores, na estadual, a Assembleia Legislativa, e na federal, o Congresso Nacional. 

Então, cada macaco no seu galho. Todo mundo tem culpa, e inclusive o povo, que vota mal (por desinteresse), ou que vende o voto (por interesse), entre tantos outros absurdos políticos. É preciso cobrar, é preciso vaiar, contudo, mais do que nunca, é preciso saber fazer. Xingar um representante político é, na prática, xingar a si mesmo, já que ele é um representante, escolhido pelo povo – afinal, deixamos de ser monarquia há muito tempo. A questão aqui não é repudiar ou aplaudir os torcedores da Arena Corinthians – talvez eu fizesse o mesmo se estivesse lá – mas se a função da presidentA, do governador, e do prefeito é administrar; se a função do Congresso, das Assembleias e das Câmaras é fiscalizar; e se a nossa função é votar, cobrar e protestar, vamos fazer isso, cada um no seu quadrado, e da melhor forma possível. 

No final das contas, somos todos um grande time, cada um com uma atribuição específica, como a seleção brasileira de futebol. Ganhar o jogo não depende de uma única pessoa, mas de cada um de nós.

George dos Santos Pacheco

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