Bill e a bomba Jamaicana


Sempre fui bem com as mulheres. E olha que não tenho dinheiro, e nem sou tão bonito assim. Tudo bem, vá lá, eu sou bonito. Melhor do que isso, a minha experiência adquirida em minha adolescência é o melhor em mim: sei tudo sobre as mulheres, o que elas gostam, o que elas querem e tudo o que você possa imaginar. E, na verdade, é a isso a que se deve o meu sucesso com elas, e não ao meu rostinho bonito.

Partindo desse princípio, procurei um emprego em que eu tivesse que usar uniforme. É... elas adoram! A origem dessa preferência, eu não sei, deve ser fetiche, sei lá. Sou cobrador de ônibus na única empresa do ramo em Nova Friburgo e, cara, as gatas quando entram no coletivo, nem vão lá para frente, tomar seus assentos: permanecem ali ao meu lado, conversamos a viagem inteira. Não consegui pegar todas, é verdade, mas eu estou sempre acompanhado, e muito bem acompanhado, diga-se de passagem.

Outro ponto é o meu nome. Chernobill, com dois éles. Minha mãe é nordestina, e sabe o que eu descobri sobre eles? Adoram nomes estrangeiros. É verdade, conheço um monte de Gladson, Clayton, e Stephany por aí. Comigo não seria diferente. Mas Chernobill foi sacanagem, fui zoado por anos na escola, até que descobri como levar vantagem com ele. Certa vez perguntaram meu nome só para sacanear com uma aluna nova – Marina, muito gatinha – e eu respondi, de forma teatral, “Meu nome é Bill, Chernobill”. As risadas foram inevitáveis, mas agora, não era para me zoar, a galera achou bacana, e principalmente a Marina, que me achou super descolado, e já sabem, o papai aqui a pegou muito. De lá para cá só me apresento assim, e sempre dá certo. Obrigado, mamãe!

Pois é, outro dia desses estava no meu trampo, o ônibus parou no ponto e entrou uma única pessoa: uma morena cavala (cavala mesmo!), tinha os cabelos bem negros, feito uma índia, os diminutos pelos de seu braço eram delicados e dourados (imaginem o resto!).

Ela subiu as escadas com um sorriso maravilhoso, ofegante e já foi logo me dando um “bom dia”.

– Bom dia! – disse abrindo a bolsa com dificuldade, antes da roleta.

– Pode passar! – eu disse, tentando ser solícito, e imitando seu sorriso, também simpático. Ela agradeceu, finalmente achou o dinheiro e me pagou.

– Desculpe, eu ainda não me acostumei com os horários dos ônibus... – comentou ela ainda sorrindo.

– Se mudou há pouco tempo, não é?

– Como você sabe? – perguntou-me, um tanto desconcertada.

– Bem, eu trabalho nessa linha deve ter uns seis meses, e nunca a vi por aqui. Se tivesse visto, com certeza eu me lembraria. – respondi olhando-a nos olhos. Outro segredo, anotem: sempre olhem nos olhos das gatas. Ela ruborizou na hora, estava dando certo.

– Pois é... – disse retomando a conversa. E isso foi bom, ela poderia muito bem ter pego seu troco e ido tomar seu lugar, mas não fez; sinal que a conversa estava sendo interessante.

– Está indo pro trabalho?

– É... consegui um emprego numa confecção...

– Não trouxe agasalho? Vai fazer frio hoje... (Novidade! Fazer frio em Friburgo era quase uma redundância)

– Caramba, será mesmo? – disse alisando os braços. Meu olhar foi como um close de cinema naquela pele morena e apessegada. Voltei a mim e respondi.
– Com certeza. Quando as nuvens cobrem o pico da Caledônia, pode acreditar, vai esfriar. – argumentei apontando para o maciço rochoso.

– Poxa, obrigada pela dica, amanhã vou me precaver. Olha, eu acho que meu ponto é o próximo, vou descer. Tchau, beijo... – despediu-se mandando-me um beijo. Cara, você acredita? Ela me mandou um beijo! Aquela cena eu vi em câmera lenta, e se eu tivesse o poder de providenciar um replay, com o nome piscando em amarelo no canto da tela, eu o faria.

No dia seguinte, no mesmo bat-horário, no mesmo bat-canal, lá veio a morena subindo no ônibus.

– Caramba, bem que tu falou, está fazendo frio para caramba! – comentou, bem agasalhada dessa vez.

– Não disse? – concluí cheio de moral. – Desculpe, a gente está conversando, e eu nem sei seu nome, sabe, eu gosto de saber o nome das pessoas... (olha aí a minha estratégia surgindo novamente).

– Kátia, com ká... – disse sorrindo. Que sorriso maravilhoso, velho.

– Meu nome é Bill, Chernobill. – apresentei-me. O sorriso dela aumentou mais ainda.

– Tipo aquele detetive? – perguntou após uma risadinha.

– James Bond? Ele era espião. – respondi, bancando o intelectual.

– Chernobill não é o nome de uma cidade? – perguntou-me com o olhar intrigado. Aí eu fiz toda aquela minha performance de explicação da origem do nome.

– Chernobill é uma cidade na Ucrânia, que teve um acidente nuclear, lembra?

– Ah! Sim... mas não era na Rússia?

– Ali, bem pertinho. – disse atendendo a outro passageiro.

– Chernobill... Você é engraçado...

– É... minha mãe sempre disse que eu sou uma gracinha... – disparei novamente.

– Poxa, eu nem sei o significado do meu nome.

– Ah, mas eu faço questão de pesquisar para te falar! – prometi com o meu olhar sedutor – porque eu tenho um olhar sedutor. Fazer o quê? Eu tenho, tem gente que não tem, a vida é assim...

– Ih, meu ponto chegou, tchau! – disse saindo apressadamente, deixando o beijo característico. “Lindo, Kátia, continue assim...” pensei.

Fiquei dias trabalhando ali. Ela gostava de fazer charminho. Mas a sorte acompanha os audazes, e eu sou audaz. No fatídico dia – era uma sexta-feira – ela subiu no ônibus – estava quente – com uma saia jeans bem pequena e, essa era a minha deixa.

– Bom dia, Bill!

– Bom dia... – cumprimentei-a, de forma lenta, só para deixar bem claro que eu havia percebido suas pernas nuas – e quem não iria perceber? – Vem cá, teu namorado te deixa sair assim? – perguntei.

– Eu não tenho namorado. – respondeu de pronto. Uh! Era só que eu queria saber! – E mesmo que tivesse, homem ciumento nenhum vai mandar em mim.
– Poxa, mas aí não é ciúme, é cuidado. – argumentei sorrindo.

– Ah! Cuidado pode! – concordou, também sorrindo. Que delícia.

– Você viu? Tem um filme nacional bacana passando no cinema. Estava a fim de ver...
– Ué, e porque não vai? – uma pergunta retórica, não é mesmo?

– Poxa, sozinho é bem chato, não é? – disse com cara de cachorro que caiu da mudança. Ela me olhou com os olhos semicerrados – ela sabia que eu estava a chamando para sair – e disparou.

– Eu vou com você – assim, seco, na lata.

– Largo às seis, a sessão começa às sete e quarenta e cinco. – Quanta mentira. Ouvi por alto sobre o filme, na rádio. Eu lá sabia os horários das sessões?

– A que horas você me pega? – “Eu te pego a qualquer hora, gatinha!”

– Não sei, onde eu te pego? – “Em qualquer lugar!”

– Pode ser em frente à prefeitura.

– Então às seis e quarenta está bom, não está?

– Está ótimo... chegou meu ponto! Até mais tarde, beijo! – despediu-se novamente com um beijo, mas este havia sido diferente, parecia mergulhado em luxúria, foi erótico, exatamente do jeito que eu queria.

Fiquei pensando o dia todo naquele beijo. Larguei às seis, desci no Paissandú e fui caminhando apressado pela Rua Leuenroth, improvisando um “Stayin alive” do Bee Gees, com aquela voz fininha, quando passei por uma lanchonete que fica na esquina com a Alberto Braune. Meu olhar distraído pousou sobre um cartaz que dizia em letras garrafais “BOMBA JAMAICANA – Bebida ultra energética”. Eu parei na hora. Passou um filme na minha cabeça, eu não podia deixar aquela mulher na mão, minha performance tinha de ser excelente, eu tinha que dar uma canseira nela. Ela não podia esquecer essa noite...

Entrei na lanchonete e aproximei-me do cartaz. Xarope de guaraná, castanha de caju, amendoim, catuaba, guaraná em pó, geleia real, kiwi, pitanga, cupuaçu, marapuama, ovo de codorna e gengibre. Caramba, os ingredientes tinham tudo para dar um vigor extremo a qualquer um.

– Amigo, me dá uma Bomba Jamaicana dessa aí. – disse para o atendente da lanchonete.

– Hei, cabeça! – gritou o atendente para outro funcionário. – Uma Bomba Jamaicana para o conterrâneo aqui! – concluiu ele com o sotaque mais nordestino do que o da minha mãe.

A bebida chegou bem gelada em um copo de vidro de 500 mililitros. O ar condensava em sua superfície, e lentamente algumas gotas se formavam, escorrendo e ganhando o balcão, também de vidro. Segurei o copo pensando naquele beijo safado e virei de uma vez só, formando em meus lábios aquele bigode com a espuma da bebida, feito um menino. A cor era avermelhada e lembrava uma vitamina de morango, contudo, o sabor era de guaraná, um pouco azedo talvez. Senti uma leve ardência na gengiva também.

– Me dá outra, por favor. – pedi ao bater o copo no vidro, aproveitando a outra mão para limpar o bigode. Era bom garantir, não é mesmo?

– Cabeça! Manda outra Bomba Jamaicana pro conterrâneo! – disse ele jocosamente. “E qual é a graça?”, pensei.

A outra bomba chegou mais rápido ainda, devia ser o resto no liquidificador. Mandei para dentro mais rápido ainda. Paguei e segui apressadamente para casa, uma quitinete na Mac Niven. Tomei um banho rápido, com sabonete neutro e xampu anticaspa. Lembrava daquelas pernas com os pelos dourados, aquele beijo lascivo... mas não! Eu precisava ser forte, eu tinha de guardar todas as minhas energias para a Kátia!

Saí do banho e tomei outro, de alfazema. Coloquei uma camisa de gola, por fora da calça, um All Star e saí de casa. Meu carro ficava estacionado em frente ao prédio da quitinete, uma Brasília setenta e seis, branca. Semana passada ela deu um probleminha na bomba de combustível, e por falar em bomba, essa tal de Bomba Jamaicana dá uns gases terríveis. Abri os vidros para o cheiro sair mais rápido e fui para o lugar marcado. Lá estava ela, um vestido curto e apertadíssimo – muito gostosa, muito gostosa mesmo – os cabelos ainda estavam molhados, e esse também era o efeito que o batom tinha dado aos seus lábios carnudos. Hoje ela estava mais cheirosa ainda, um perfume doce de morango silvestre – que maravilha, eu ficava cada vez mais excitado. O esmalte de suas unhas – sacanagem eu nem reparei nas unhas.

– Que Brasília inteiraça! – disse com aquele sorriso. Parecia até empolgada com a Jacutinga mesmo – esse era o apelido dela.

– É... o mecânico tem bom gosto... – disse tentando disfarçar, ao sair do carro.

– Mecânico?

– É... tive que levar meu carro para a oficina, e para não ficar a pé, ele deixou esse carro comigo. – Baita mentiroso! – Vamos?

– Vamos! – disse ela, eu abri sua porta e ela entrou no carro. Tudo somava ponto nesses momentos iniciais.

Pegamos umas ruas transversais a Alberto Braune até ganhar a José Eugênio Müller , essa rua passava por trás do shopping e era um pouco deserta.

– Você está muito cheirosa... – comentei de forma maliciosa. De vez em quando eu pousava o olhar naquelas pernas.

– Você também está... – retribuiu, também de maliciosamente. Na primeira oportunidade eu encostei o carro e parti para cima dela.

– O que é isso?! – disse com um risinho. Tentava bancar a puritana, talvez, mas correspondia aos meus beijos.

– Eu não resisto a você! Desde o primeiro dia em que eu te vi eu te desejo, eu te quero! – confessei entre beijos naquela boca gostosa.

– Seu safado, eu sei disso! Agora vamos sair daqui, a polícia vai prender a gente! – recomendou enquanto ainda me beijava.

Me recompus e arranquei para a Friburgo–Teresópolis. Em pouquíssimo tempo estávamos na portaria do motel. Estiquei o braço e pedi uma suíte, o funcionário me entregou uma chave e eu fiquei paralisado.

– O que foi? – perguntou ela, abismada.

– A suíte. – respondi monocordicamente.

– O que tem a suíte?

– Número 13.

– Você é supersticioso? – perguntou-me com um sorrisinho. Resolvi superar isso rapidamente.

– Não, não, eu estava brincando contigo... – respondi seriamente. O pé de coelho pendurado no retrovisor me desmentia.

Entrei cantando pneu, parei o carro na garagem e parti para cima dela novamente. Que beijo gostoso aquela morena tinha! Ela desvencilhou-se de mim e saiu do carro. Os seios medianos, faziam um desenho sublime no vestido, que não estava marcado pela calcinha. Uh! Ela não usava calcinha!

Fui atrás, mas ela se esquivava, rindo. Entramos no quarto e ela foi direto ao banheiro. O vestido foi atirado de lá para o quarto e o chuveiro foi aberto. E eu não podia ter ido tomar banho com ela? Mas eu fiquei ali. Tirei minha roupa, liguei a TV e comecei a aquecer as turbinas. Deus dos céus, ela apareceu ali enrolada na toalha, toda maravilhosa, e quando eu cair matando, senti uma forte pontada na barriga, larguei rapidamente meu garoto e me encolhi ao máximo, segurando o abdômen.

– O que foi? – perguntou desfazendo o sorriso.

– A barriga, está doendo... – respondi, cerrando os olhos e caminhando com dificuldade para o banheiro.

– Quer que eu peça ajuda? – perguntou se aproximando.

– Não, está tudo bem, eu já estou voltando... – respondi com a voz embargada, e ela foi para a cama, distrair-se com o filme.

Desabei sobre a privada e fiquei uns cinco minutos só gemendo. Qualquer um que passasse pelo basculante acreditaria que eu estivesse tendo um belo de um orgasmo. Um som borbulhante correu minha barriga de fora a fora e ganhou a atmosfera. Que cheiro horrível! Os gases vieram em carreata, um mais sonoro que o outro; o formato do vaso criava uma acústica incrível que potencializava o traque.

– Credo, que cheiro é esse?! – perguntou a Kátia, do quarto. Os motéis deviam se preocupar com isso, os banheiros precisavam ser separados dos quartos. É evidente, eu sei, no quarto deveria haveria um, com banheira, aquele fetiche todo. Mas um com sanitário deveria ficar separado, para evitar esse tipo de constrangimento, poxa.

– Está tudo bem, fica tranquila. – respondi tristemente. Não estava tudo bem.
Daí a pouco desceu tudo, tudo mesmo. Eu pensei que ia morrer ali: minha barriga doía como eu nunca senti antes, os gases, horríveis, vinham sonoramente altos, devido à acústica da privada e, Deus, como eram horríveis, parecia algo podre – nem eu estava me aguentando.

Depois de uns quarenta minutos – a Kátia já tinha se resolvido sozinha – eu parei de cagar, parei de peidar, mas a barriga continuava doendo. Tomei um banho e tentei me lembrar do corpo da Kátia, ela era maravilhosa, mas meu garoto não queria nem saber. Só dormia.

Fui para o quarto, totalmente sem graça, ela estava deitada maravilhosamente sobre a cama, com aquela cara de safada.

– Como você está Bill? – perguntou-me, parecia preocupada realmente.

– Estou bem! – disse, tentando parecer forte. Estava ruim até para ficar em pé. Deitei por trás dela, fiquei beijando seu pescoço e suas costas. Ela se virou para mim, beijou-me, mordeu-me (ela era uma delícia e sabia muito bem o que estava fazendo), mas não teve jeito, meu garoto não quis nada com a hora do Brasil.

– Não fica assim não, gatinho, nós vamos ter muitas outras oportunidades... – confortou-me ao me abraçar. Puta que pariu! Tinha que ter sido hoje! Que vergonha, eu bancando o maior garanhão, e no final saí como o maior cagão.

Dormimos ali – e pelo menos isso foi gostoso – eu a levei até sua casa e fui para a minha. Eu queria que a noite tivesse sido inesquecível para ela e, para ser sincero, acho que consegui. Se querem um conselho, da Jamaica, somente o Bob Marley, por favor. A bomba só atrapalhou, e como dizem, muito ajuda quem não atrapalha.

George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com

* Publicado na Revista Êxito Rio, em 22/06/2015.

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