Quem nunca sonhou em voar? Não voar como Dumont e os irmãos Wright
sonharam, mas levantar voo por si mesmo, como um pássaro, navegando pelo
céu impunemente, sem compromisso ou responsabilidade como Ícaro. Coisa
maravilhosa é sonhar! Ingressar nesse mundo fantástico onde tudo é
possível, onde o descabido passa despercebido, é comum,é normal, é
banal.
Eu já passei esta experiência por diversas vezes, mas… é
estranho. Em meu caso, eu sempre caminhava pelas calçadas do centro da
minha cidade, em meio a tantos outros que se acotovelavam, apressados
com seus compromissos, indo e voltando, alienados, cheios de sacolas nas
mãos ou dedilhando smartphones. Em dado momento, eu dava uma pequena
carreira, seguida de um salto, e sustentava-me no ar por alguns ínfimos
minutos, bem baixo, próximo às cabeças dos transeuntes. Logo depois eu
caía, um pouco ofegante, um pouco surpreso, um misto de estupefação e
orgulho. Os outros nem se importavam com o meu voo, aquilo não era nada
demais, apesar de ninguém ali ter aquela capacidade.
Anos e anos foi assim: o mesmo sonho, o mesmo voo curto, como o
de um marreco, meio atrapalhado, mesmo que eu quisesse muito mais, mesmo
que eu quisesse ir muito além. Mas na noite passada foi diferente,
muito diferente. Foi fantástico, descabido…
Desta vez eu caminhava pelas ruas da cidade, e da mesma forma,
dei uma carreira e um salto. Meu corpo ficou extremamente leve e
levantei voo, com os braços esticados à frente, os punhos cerrados,
sobrevoando as outras pessoas na calçada por algum tempo – aquele
intervalo de tempo impossível de se medir em um sonho – e repentinamente
subi em velocidade, acima dos postes, desviando dos cabos elétricos,
alcançando o topo dos prédios, e além! Disputava o espaço com alguns
pássaros que desviavam de mim assustados, o vento tocando meu rosto
delicadamente em um belo e limpíssimo céu azul, de sol radiante.
Em minha mente estava claro que não se tratava de um voo
propriamente dito, mas de um grande salto, e que eu me equilibrava
apoiando-me em colunas de ar quente ou frio, planando, perdendo altitude
em alguns momentos, desviando novamente dos fios e voltando a voar com
segurança logo em seguida.
Era incrível, porque eu via coisas que eu jamais imaginei que
fosse ver, eu vi tudo por ângulos totalmente diferentes, paisagens que
estavam ali, do outro lado dos morros o tempo todo, e que eu não tinha
conhecimento: lagos, florestas, e pessoas. Pessoas que me ignoravam,
como se um homem voar fosse banal. Ninguém se surpreendia por eu estar
voando ali, ninguém apontava para o céu, questionando se era um pássaro
ou um avião.
E então eu desci, ainda maravilhado por tudo aquilo, ofegante,
feliz e sorridente como os loucos. Pousei – ou sei lá que nome podemos
dar a isso – em um bar de um amigo meu (na verdade eu nem sabia que ele
tinha um bar, mas sim, era ele por trás do balcão), encostei-me em uma
janela, e já estava servido de um copo suado de cerveja. E ele fazia
troça comigo, junto a outro cliente ao balcão.
– E esse braço murcho aí, Super-homem? – ria-se do só então
percebido uniforme tosco e folgado do Superman, confeccionado em malha
de algodão desbotada, a já manjada cueca vermelha por cima da calça, e a
capa meio embolada por cima do ombro esquerdo. E eu dizia:
– E daí cara? Eu sei voar, eu aprendi a voar. Você sabe voar? Eu
sei! – afirmava sorridente e cheio de orgulho, bebericando minha
cerveja.
E acordei. Ainda maravilhado por tudo aquilo, ofegante, feliz e sorridente como os loucos.
Querido leitor, você sabe o que significa isso? Isso não
significa coisa nenhuma, caro leitor. Mas que foi muito legal… ah, isso
foi!
George dos Santos Pacheco
* Publicado na Revista Êxito Rio, em 26/08/2015.
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