Karl Marx deve estar se contorcendo na tumba. O intelectual e
revolucionário alemão ficou conhecido por suas críticas ao Capitalismo, e
influenciou diversas áreas, especialmente a Filosofia, Geografia,
História, Direito, Sociologia, e até Literatura. Segundo Marx, no
processo de produção capitalista, o homem se aliena, tornando-se
simplesmente uma peça da engrenagem produtiva, e a principal
consequência disso é que o trabalhador não se reconhece no produto que
fez, perdendo sua identidade enquanto sujeito. Entretanto, mesmo vivendo
individualmente essa dominação, enquanto integrante de uma classe
social, ele poderia tomar consciência dessa situação de opressão e, a
partir daí, se mobilizaria como classe para promover a sua verdadeira
libertação, através de uma revolução. Eu queria que ele estivesse certo.
Dia desses, comprei um pacotinho de batatas fritas, sempre gostei
de chips. E lá estava eu aguardando o ônibus – o trânsito estava
daquele jeito – degustando a batatinha. Peguei uma mão, duas, três...
opa... na terceira mão só tinha farelo. Não é possível! Ou eu estava com
muita fome, ou o pacote veio com menos batatas. Virei o pacote de um
lado para o outro procurando o furo – o salgadinho poderia ter caído sem
que eu visse – e não é que eu encontrei? Bem no rodapé da embalagem,
estava escrito em letras minúsculas: “Redução de 20% do peso líquido,
mas com o mesmo sabor e qualidade!”. Isso, sem rodeios, é uma tremenda
sacanagem!
Olhei para o pacote, para o ambulante, e decidi comer o farelo
como num protesto. A redução do peso nos produtos é uma estratégia comum
das empresas para gerar lucro e competir com a concorrência. É uma
prática considerada legal, desde que a redução de preço seja
proporcional à do peso e que o alerta fique impresso na embalagem por no
mínimo 90 dias, conforme uma portaria baixada pelo Ministério da
Justiça em 2002. O problema é que não é “o sabor e a qualidade” que se
mantêm os mesmos, mas o preço, apesar da norma reguladora e do alerta na
embalagem.
Senti-me violentado financeiramente, o protesto desceu quadrado,
quase aos engasgos, principalmente porque nos deparamos com situações
como essa diariamente, com biscoitos, iogurtes, detergentes e até mesmo
com os simpáticos ovos de páscoa. Mas o trabalhador pode ainda tomar
consciência de sua situação de opressão e, a partir daí, se mobilizar
enquanto classe para promover a sua libertação. Ou não? A tal Revolução
Proletária imaginada pelo pensador alemão ainda não aconteceu, e não
tenho muita certeza se algum dia acontecerá.
É injusto, muito injusto, mas se eles podem, nós também podemos. É
permitido, por exemplo, trabalhar menos 20% (com o mesmo sabor e
qualidade)? Deixar de pagar 20% de meus impostos (com o mesmo sabor e
qualidade)? Não, não é permitido, e todos nós sabemos disso. Esse tipo
de estratégia e de comportamento comercial fomenta a desonestidade. Os
grandes grupos deturpam, enganam, o povo sabe que está sendo enganado, e
não encontrando meios para “se mobilizar enquanto classe para promover a
sua libertação”, se sente no direito de levar vantagem de alguma forma –
honestamente ou não – e assim caminha a humanidade.
Mas tudo isso por um pacote de batata? Não, meu amigo
trabalhador. Isso tudo pelo que é certo, pelo que é justo. Nós
precisamos nos comover cada vez mais com o que vem acontecendo errado
por aí, com a corrupção, com a violência, com o preço da batata, do
arroz, da gasolina, da carga tributária... enfim, tudo que vem se
tornando banal e reclamar. Caso contrário, seremos como gado que pasta e
nem mesmo sabe porque está pastando. Se não for assim com as pequenas
coisas, o que se dirá das grandes? Se não for assim, por um simples
pacote de batatas fritas, algum dia o governo compra uma refinaria de
petróleo superfaturada com o meu dinheiro – o mesmo que comprou a
batatinha – e eu também não vou falar nada. Não haverá nem mesmo uma
passeata.
Segura essa, Karl Marx!
George dos Santos Pacheco
* Publicado na Revista Êxito Rio, em 29/04/2014.
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