O sol está de rachar. E não é força de expressão não: segundo
especialistas, desde 1943 não faz um calorão desses. Em São Paulo, por
exemplo, o nível dos reservatórios está tão baixo que em alguns já se
pode avistar o fundo rachado feito o solo do sertão nordesti-no. A
Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) está,
inclusive, oferecendo um desconto de 30% para quem economizar água.
Onde vai parar esse calor? É quase insuportável sentir o sol na
pele, em pleno às três horas da tarde. E se em casa também estou suando
em bicas, a solução pode ser tomar um banho de mar. Está decidido:
Domingo eu vou pra praia!
Foi aquela expectativa durante a semana: imaginar aquela cerveja
geladinha e o tira gosto de sardinha bem frita, a água fresca batendo
nas canelas, a criançada em polvorosa brincando na areia, a mulher
relaxando deitada na canga... tudo isso já me recobrava o ânimo e me
refrescava.
Acordei cedo, pus as bolsas no carro, mulher e crianças
embarcaram, e partimos felizes da vida. Mas como nem tudo são flores,
quase chegando ao balneário peguei um baita engarrafamento, ficando
cerca de quarenta minutos completamente parado! Parece até que todo
mundo teve a mesma ideia de ir à praia...
Daí, meu amigo, se o sol já incomodava na pele, imagine dentro do
carro abafado e com crianças tentando acompanhar a música do rádio? Já
sei, pensou no ar condicionado, não foi? Eu também. Mas nem o desgraçado
do aparelho estava dando conta do recado – semana que vem prometo que
vou dar uma carga de gás nele.
Sorte é que os ambulantes estão ficando cada vez mais audaciosos e
já se aproximam quase ao posto de pedágio. Mulher reclamando, criança
chorando, rádio ligado... Pronto, desliguei o rádio. Aproveitei e baixei
o vidro que me protegia da incidência direta dos raios solares e chamei
meu mais novo melhor amigo.
– Ei, meu camarada!
– Fala chefia! – respondeu o cara se aproximando rapidamente com uma caixa de isopor a tiracolo e um sombrero mexicano.
– Dá quatro garrafas de água aí, velho...
– “Tá” na mão, chefia! – disse entregando prontamente o meu pedido.
– Deu quanto isso aí, amigo? – perguntei já abrindo a carteira.
– Vinte pratas...
– Como é que é? – perguntei estupefato.
– Vinte pratas, amigo! – repetiu ele.
– Cara, são cinco reais cada garrafa?
– Sabe como, é chefia: o preço da gasolina aumentou, impostos, eletricidade...
– Argumentou o ambulante, sorrindo.
– Deixe isso pra lá, amor... – orientou minha esposa. Resolvi
aceitar seu conselho, entreguei o dinheiro ao homem e não disse mais
nada. Pelo menos a água nos refrescaria.
Ficamos mais uns vinte minutos seguindo em sistema “siga e pare”,
depois de vencer a miríade de carros na praça de pedágio, havia obras
na pista. Mas enfim, chegamos à praia! O mar estava lindo, contudo... eu
ainda teria de estacionar o carro. Percorri praticamente toda a orla,
mas nem sinal de uma vaguinha sequer para meu carro. Contornei e passei a
procurar por estacionamentos particulares. Isso sim havia aos montes,
todos lotados, porém. E para variar, fiquei eternos dez minutos
procurando, até finalmente encontrar um com vaga. Não pensei duas vezes –
nem mesmo li a tabela de preços na entrada, e avancei com o carro no
pátio. Quando na saída recebi o canhoto, outra surpresa desagradável:
“trinta reais, preço único”! Isso só pode ser brincadeira, pegadinha de
programa de TV... ou então o dono do estacionamento é irmão do ambulante
do engarrafamento.
Engoli em seco e segui para o calçadão, com as bolsas à tiracolo,
mãos dadas à esposa e crianças. Desci a pequena escadinha estilizada em
madeira, desembarquei nosso material e finalmente pus os pés na areia.
Dona Maria já passava protetor solar nos garotos quando um homem se
aproximou de nós, com avental e boné brancos.
– Olá, amigo!
– Pois não?
– É que essa área aqui é do nosso quiosque...
– Quiosque? A praia não é pública? – retruquei em tom de revolta.
– Temos um alvará da prefeitura, senhor... – argumentou serenamente.
– Tudo bem, e quanto é para usar o “espaço do quiosque”?
– São vinte reais por cabeça... – respondeu ele, sempre muito
educado. Me senti tratado como gado. Fiz menção de pegar a carteira, mas
ele me interrompeu. – Não é necessário senhor, o valor virá na
comanda... – acrescentou me entregando o papel.
– Obrigado... – agradeci contrariado e ele se afastou. E já que
estávamos no espaço do quiosque, levei todo mundo para a mesa com
cadeira e guarda sol. Já estávamos todos aboletados por lá, crianças com
boias nos braços – enchidas com meu fôlego – quando o funcionário do
quiosque se aproximou novamente.
– Senhor...
– O que foi agora, amigo? – perguntei irritadíssimo, ainda
ofegante por soprar a boia dos garotos. “Calma, meu bem!”, sussurrou
minha esposa. Calma... como eu teria calma?
– É que o valor de vinte reais não cobre o uso de cadeira e
guarda sol. Aqui são mais cinquenta reais. Se o senhor precisar de
cadeiras adicionais, são vinte por cadeira. – explicou placidamente.
Respirei fundo para não xingá-lo.
Cinquenta pratas? Vinte por cadeira adicional? Tive vontade de
devolver as cadeiras que acompanhavam a mesa, se eles me pagassem, eu já
somava oitenta pratas. Sacanagem... Fiz menção de pegar a carteira
novamente, mas ele me impediu outra vez. – Não é necessário, virá tudo
na comanda! – disse sorrindo. Desgraçado!
Decidi dar um mergulho para me esfriar a cabeça, e essa foi a
melhor coisa que eu pensei naquele dia, a água estava geladíssima! Mas
quando me levantei e olhei para a areia, um vendedor de picolés havia
estacionado seu carrinho ao lado de meus filhos, que já manuseavam o
quitute. Saí correndo da água e me aproximei esbaforido da minha
família.
– Obrigado, amigo, eles não vão querer não, está bem? – disse
ofegante no intuito de afastar o cara dali. Esses vendedores não podem
ver criança na praia que aproximam o carrinho para instigar a garotada a
pedir picolé para os pais. Golpe baixo.
– Ih, moço, mas eles até já pegaram os picolés. Como é que eu vou
vender isso agora? – argumentou o senhor, como se fosse fazer muita
diferença vender um picolé “já pegado”. Eles nem tinham sido retirados
das embalagens!
Suspirei e olhei para minha esposa. Ela sorria placidamente, o
closed caption dizia “deixe os meninos, meu bem, são crianças...”.
Suspirei novamente e prossegui.
– Quanto é o picolé? – perguntei retomando a compostura.
– Cinco reais... – respondeu entre os dentes. “Cinco reais”, murmurei. Tudo aqui custa cinco reais.
Comprei o picolé dos meninos e um para minha sábia esposa, sentei
à mesinha e pedi uma cerveja para relaxar, o que eu estava tentando
fazer desde que cheguei. O mensageiro da agonia do quiosque se aproximou
para me trazer a bebida.
– Aqui está senhor... – colocou a garrafa e o copo sobre a mesinha de PVC. Fiz a temida pergunta.
– Quanto custa a cerveja?
– Oito reais. – respondeu-me. O senhor vai querer comer alguma
coisa? - acrescentou. Minha esposa olhou-me de soslaio, ela sabia que eu
estava louco para comer sardinhas fritas.
– Não quero mais nada não, amigo, obrigado. – agradeci e o homem saiu.
– Não vai comer as sardinhas? – perguntou ela.
– Se a cerveja custa oito reais, imagine quanto custa a porção de
sardinhas – que deve ter somente duas sardinhas? Deve ser uns quinze
reais! – reclamei. Aproveitei que um vendedor de castanha de caju
torrada se aproximava para pegar uma amostra grátis. Eles sempre
deixavam um punhadinho e depois voltavam vendendo uma porção. Eu queria
apenas a amostra, para mim era suficiente.
O homem colocou um bocado de castanhas na minha mão, e eu
rapidamente pus na boca. Como ele permanecia ao meu lado, virei-me em
sua direção, ainda mastigando.
– Pois não? – perguntei.
– São dois reais. – disse seriamente.
– Eu não vou querer não, amigo. – desculpei-me, ignorando-o e mastigando a castanha.
– O senhor não entendeu. São dois reais esse punhado que o senhor acabou de comer. – insistiu, sempre sério.
– Como assim? Isso aqui não é amostra grátis?
– Não trabalho com amostras, senhor.
Peguei a carteira, profundamente chateado e paguei. Não é
possível, nem a amostra de castanha de caju é grátis. Tudo se paga, e se
paga caro! Muito caro! Não vou julgar o mérito dos custos, ganhar
dinheiro tudo bem, mas isso tudo é um assalto. Estacionamento a trinta
reais? Água mineral a cinco? Picolés? Pagar para usar um guarda sol,
área de quiosque? Isso é um absurdo! Não há ninguém para fiscalizar isso
não? Prefeitura, Procon, Direitos Humanos?
Desisti da praia, o passeio era para relaxar e eu só me
estressei. Da próxima vez vou beber em casa, lá pelo menos a sombra do
meu teto é de graça. Quero dizer, tem o IPTU, a taxa dos Bombeiros...
Mas isso aí já é outra história...
George dos Santos Pacheco
* Publicado na Revista Êxito Rio, em 24/02/2014.
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