Nunca fui bom de bola. Isso poderia ser um trauma no país do futebol,
e de certa forma o foi, durante algum tempo. As aulas de educação
física – que eram invariavelmente partidas de futebol de salão – sempre
me causavam apreensão, afinal, eu era sempre o último a ser escolhido
para o time, aquele que sobrou, aquele que ninguém queria porque, além
de não ajudar, também atrapalhava.
Mas eu ia seguindo meu caminho, como um cego teimoso. Como não
tinha muito traquejo, ficava lá na zaga, as disputas mais acirradas
aconteciam no meio da quadra, e se por acaso a bola sobrasse para mim,
como bom zagueiro que eu acreditava estar me tornando, dava logo um
“bicão” para frente ou para fora.
Foi então que eu fiz amizade com um camarada que jogava muito
bem, um daqueles que formavam os times após o “par ou ímpar”, e passei a
ser escolhido logo de cara, somente pela amizade – eu sabia
perfeitamente que não tinha esse futebol todo. Mas de tanto insistir, eu
começava a fazer as coisas de uma forma cada vez melhor, pelo menos, já
não atrapalhava.
Meus companheiros de time começaram a confiar mais em
mim, e não me evitavam, passei a dominar a bola corretamente, dava
passes razoáveis, alguns dribles e até um gol ou outro eu marcava de vez
em quando – pela mais pura sorte e benevolência divina.
Certa feita, em um fim de ano, o pessoal lá da minha rua
organizou um passeio para um sítio, ia ter churrasco e partidas de
futebol society. Alguns pais nos acompanharam, e a molecada seguiu
animadíssima, puxando canções com duplo sentido, muito mais à vontade
para falar sacanagem longe da vigilância das mães. Desembarcamos
eufóricos, nos trocamos – eu nem chuteira tinha, joguei de tênis mesmo –
e ocupamos nossos lugares no campo.
Os times já tinham sido organizados dentro do ônibus, só para se
ter uma ideia da animação dos rapazes. E não era para menos, o dia
estava perfeito, de céu azul e sol forte, com uma leve brisa que corria
arrefecendo o calor e os ânimos. Com os times divididos, deram início na
partida. Um dos pais ficou de juiz, alguns se ocuparam de preparar o
churrasco, enquanto outros assistiam ao jogo, inclusive o meu. A partida
estava equilibradíssima, como se diz no futebol, “lá e cá”.
O placar estava dois a dois, já próximo do fim do jogo. E olha
que os placares em partidas de society costumam ser um pouco maiores.
Foi então que, por um descuido do time adversário, a bola parou em meus
pés, próximo ao centro do campo. Parti em disparada e desvencilhei-me de
um jogador, tocando para nosso lateral esquerdo, um torcedor fanático
do Fluminense, que após um drible, seguiu em velocidade. Eu o
acompanhava, já chegando à entrada da área, e como minha habilidade
nunca despertou perigo, nenhum zagueiro me marcou, dando preferência
para os craques.
O tricolor driblou mais um e tocou a bola de forma rasteira para a
área, que passou por todo mundo e até chegar a mim. Eu vinha em
velocidade e armei o tiro com a perna direita, com uma força e gana que
eu nem sabia que possuía. Meu pai se levantou do banco, pouco
acreditando no que via. Nem eu acreditava. Naquele momento todos os
olhares estavam voltados para mim, a jogada havia sido incrível e aquele
seria o gol que definiria a partida! Era a minha chance de dar um
orgulho danado para o meu velho... mas meu pé direito não encontrou nada
para atingir, minha perna passou leve e muitíssimo rápida, e eu caí de
costas. E a bola seguiu perdendo forças até sair pela lateral.
Gargalhada geral. E até eu, que havia sido o malfadado herói que
nunca chegou a ser. A partida terminou logo em seguida, com um empate
justo para todos. Saí do campo cabisbaixo, pensando ter decepcionado meu
pai, mas fui surpreendido quando ele me encarou sorrindo, os olhos
verdes brilhantes, me abraçando carinhosamente. E rimos juntos pelo
belíssimo gol que eu não marquei (veja, foi muito melhor do que se eu o
tivesse feito).
O segredo de todas as coisas, meu amigo, é continuar insistindo,
mesmo que te ignorem, mesmo que você seja o último a ser escolhido.
Então, no fim, caso você não venha a marcar o gol, pode ser que tudo
acabe em uma gostosa gargalhada. E tudo terá valido a pena.
George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com
* Publicado na Revista Êxito Rio, em 22/01/2015.
georgespacheco@outlook.com
* Publicado na Revista Êxito Rio, em 22/01/2015.
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