Não se esqueçam do Bruxo


Ele nasceu Joaquim Maria Machado de Assis, no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e ganhou fama de bruxo.  Machado de Assis era negro, de origem humilde, gago, epilético e de saúde frágil, mas mesmo assim, destacou-se como poeta, romancista, cronista, contista, jornalista, e crítico literário. Mal estudou em escolas públicas e jamais frequentou universidade. E para falar de sua importância e ascensão na literatura nacional, deve-se levar em consideração todos esses fatores: numa sociedade ainda hoje racista e preconceituosa, em que o curso superior é supervalorizado,  alcançar o status de maior nome da literatura brasileira, no séc. XIX, quebrando tabus e ultrapassando todas as barreiras é digno de louvor, coisa de mago – ou bruxo. 

E ainda: vivemos na Era da Informação, em que todos têm a possibilidade de escrever, de disseminar suas ideias, contado para isso, com a ajuda da informática e da internet. E no século XIX? Machado escreveu nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas, na força bruta, sem máquina de escrever, computadores, impressoras ou xérox. E só por isso já se torna um herói. 

O apelido de “Bruxo do Cosme Velho” surgiu do costume de Machado queimar cartas em um caldeirão, e faz referência ao endereço mais famoso do autor, a Rua Cosme Velho, nº 18, no bairro de mesmo nome. O termo ganhou força quando Drummond publicou o poema "A um bruxo, com amor", sobre a casa onde morou Machado de Assis. Esta foi demolida, infelizmente, para a construção de um edifício. 

Machado é considerado o introdutor do Realismo no Brasil (um estilo literário que toma a realidade como princípio orientador de criação artística) com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas em 1881. Este romance junto à Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memorial de Aires, e Quincas Borba, caracterizam o Novo Testamento de Machado de Assis, na sua fase realista, mesmo sem perder características do romantismo. Brás Cubas, inclusive, começou a ser escrito enquanto Machado de Assis esteve pela primeira vez em Nova Friburgo, com sua esposa Carolina, em 1878, para tratar de uma retinite. Friburgo, à época, era uma cidade que despontava com fama de taumaturga. 

O Realismo brasileiro, cujo gérmen foi lançado em Nova Friburgo, foi fortemente influenciado pelo pessimismo generalizado, grande parte em decorrência da decepção popular com os resultados da Independência, aliada à decadência da economia nacional, “contaminando” o trabalho de artistas e escritores. Os textos dessa época eram objetivos, polêmicos e extremamente realistas, em que o cotidiano do povo brasileiro era retratado da forma mais particular possível. 

Mesmo que não saibam, a obra de Machado de Assis influencia, ainda hoje, diversos autores – assim como foi relevante para as escolas literárias do séc. XIX e XX – e seu estilo está diluído entre tantos outros trabalhos contemporâneos. Nem mesmo ele poderia saber o alcance que seu trabalho poderia ter. Em vida, gozou de relativa fama pelo Brasil, sem desfrutar, contudo, de popularidade exterior, mas hoje é considerado um dos grandes gênios da literatura, ao lado de autores como Camões, Dante, e Shakespeare.
Como se fosse pouco, ele criou inspirado no exemplo francês e com ajuda de outros escritores, a Academia Brasileira de Letras, da qual foi o primeiro presidente, até sua morte, em 29 de setembro de 1908, sendo sucedido por Rui Barbosa. 

Pelo autor, “Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito”. Entretanto, se posso pedir algo, se tenho direito de algo pedir, por tudo que é e que foi, não se esqueçam do Bruxo. 

George dos Santos Pacheco

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