Assassinato a sangue frio

Estava trancado nesta espécie de quarto há muito tempo. Nem se lembrava o quanto. Talvez... quatro meses? Esse era o tempo que ele achava que estava li. Apesar disso, sentia-se confortável. A temperatura era sempre agradável, e sempre tinha o que comer. Não havia janelas no quarto e por conta disso não via a luz do sol. Não tinha muito a noção de quando era dia ou noite, exceto quando ouvia vozes do lado de fora. Mas não era isso que lhe importunava. Ele sabia que tramavam seu fim do lado de fora daquele quarto escuro e isso era terrível.

Neste dia havia acordado impaciente deveras. Há algumas horas uma terrível dor de cabeça o dominara, e isso deixava-o mais irritado, caminhando de um lado a outro, e em rompantes de nervosismo dava socos na parede, como se quisesse chamar a atenção dos que o mantinham ali. Pôs as mãos no rosto, preocupado com o que estava para acontecer, chorando desesperadamente, e soluçando. Percebeu então uma voz ao longe, e viu que ela dirigia-se a ele.

- O que vai fazer comigo? - disse.

- Você não deve perguntar nada. Seu destino já está traçado... - disse ela secamente, sem esboçar qualquer emoção. Era uma mulher de uns vinte e sete anos mais ou menos, de estatura baixa, com os cabelos loiros, com as raízes já aparecendo, presos em rabo de cavalo. Era bonita, mas seu rosto apresentava marcas de preocupação.

- Eu queria apenas saber o porquê... Sinceramente, eu não sei o que fiz para me querer mal... - disse ele.

- É que estou apaixonada e... sabe, você atrapalharia tudo... - explicou-se a mulher.

- Apaixonada? Como pôde fazer isso comigo? Eu te amo!

- Procure entender. Não era para ter acontecido agora. Se fosse em outra ocasião, nossa história seria bem diferente. Seríamos felizes... - disse ela melancolicamente.

- Não me fale em felicidade, pois você não sabe o que é! - esbravejou ele, ficando mais calmo logo em seguida. - Por que esperou tanto tempo para me contar isso?

- Por favor, não me cobre tanto. - disse ela com lágrimas nos olhos. - Eu tinha esperança que tudo fosse dar certo entre nós, mas ele descobriu tudo e disse para me livrar de você. Entre vocês dois, eu preferi a ele... - disse desviando o olhar.

- E você tem coragem de me dizer isso assim? - disse voltando a ficar agitado. - Esse cara que você falou, é o mesmo que está aí fora?

- Não. Ele é apenas alguém que contratei para me ajudar a fazer o serviço... - disse sem levantar a cabeça.

- Ouvi ele dizer que seria arriscado fazer algo contra mim agora...

- Eu já o convenci do contrário. A hora é agora. Até por que vou pagar muito bem... Demos um remedinho para você, que inclusive, já deve estar fazendo efeito. - disse a mulher esboçando um leve sorriso.

- Então... essa dor de cabeça... Desgraçada! - esbravejou. - Se eu tivesse como me defender, tenho certeza que não faria isso... Ah! A dor de cabeça está aumentando! - disse se contraindo e agachando, segurando a cabeça com ambas as mãos, e chorando copiosamente.

- Espero que um dia entenda tudo isso. Esta foi a decisão mais acertada... - disse ela abrindo a porta e saindo.

- Não! Não vá embora! Não me deixe aqui sozinho... Eu... eu tenho medo! Não faça isso comigo, pelo amor de Deus! Eu te amo! Eu te amo mãe! Mãe!!

Verônica desceu apressadamente as escadas da clínica clandestina, limpando uma lá-grima que descia lenta e displicentemente pela face, mas a essa hora não havia mais nada a fazer. Sentiu um aperto no coração ao pensar nisso. Ela não queria que fosse assim...

Apaixonou-se cegamente por Eduardo, mas ele recusava-se a assumir um compromisso com ela. Talvez fosse casado, mas ela tinha esperanças. Foi quando engravidou. No princípio, o susto, mas depois, uma onda de felicidade invadiu-lhe o corpo, pois havia uma esperança. Sim! Ela queria que houvesse.
Protelou algum tempo a notícia, mas ao fazê-lo, percebeu que algo dera errado. O semblante do homem caiu, tornou-se áspero, e desviava o olhar frequentemente. Disse que não poderia ter um filho agora, que não estava preparado para isso e a partir daí não foi mais o mesmo. Exigiu que ela tirasse o bebê o quanto antes, mas ela resistiu ao máximo. Chorou dias e noites. Pensou, contudo, em ter de criar uma criança sozinha, e em todo preconceito que enfrentaria. Ninguém ia aceitar sua situação. Nem seus pais, nem seus irmãos e vizinhos. Havia uma única saída possível...

Já contava com quase quatro meses e o médico disse que seria arriscado para ela abortar, mas ela insistiu. O safardana, é claro, estava mais interessado em seu dinheiro do que em sua saúde, e não a advertiu mais. Aplicou-lhe um remédio, seguido de algumas recomendações superficiais e a despediu. Verônica desceu as escadas suando frio, sentindo uma leve vertigem, porém, o médico havia dito que isso seria normal... Suas pernas tremiam, e a criança estava agitada em seu ventre. Dirigia-se até o ponto de ônibus apoiando-se nas paredes, sentindo dores que aumentavam rapidamente. A criança não queria morrer e lutava por sua tão recente vida. Verônica deixou seu corpo escorregar recostado à parede, quase gritando de dor. Segurava sua pequena barriga, que estava dura e ela curvava-se ante as fortes cólicas, olhando para o alto, suplicando que alguém viesse acudí-la, mas ninguém a notava. Parecia invisível para as pessoas que transitavam por ali e algumas a olhavam com desprezo. Foi perdendo a noção da realidade gradativamente e então, arrependeu-se, mas a essa hora já não havia mais nada o que fazer... O trabalho estava feito.

Olhou para suas pernas molhadas no sangue que vertia fortemente por entre elas, e sentia suas forças diminuírem à medida que o líquido aumentava, formando uma poça sob a qual estava sentada. Sentia seu corpo entrando em um colapso sem volta, e se contorcia levemente.. Estava pálida, com a respiração acelerada e o pulso fraco. Ouviu distante o desespero de algumas pessoas, que gritavam pedindo ajuda para ela. Mas era tarde. Havia acabado de ser julgada culpada, por assassinato a sangue frio, contra pessoa indefesa, e por motivo torpe. Sua sentença era... a morte.

George dos Santos Pacheco

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